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Entrevista a António Rocha Lobo, arquiteto

 2017-05-31

António Rocha Lobo acompanhou vários modelos de construção hospitalar ao longo do seu percurso, desde o envolvimento total do Estado em todas as fases do processo até às Parcerias Público-Privadas (PPP). 

Embora reconheça a necessidade de haver técnicos especializados no Ministério da Saúde, capazes de transmitir conhecimentos e orientações, considera não ter havido perda de qualidade na construção.

Não havendo formação académica específica na área hospitalar, como é que um arquiteto ganha o conhecimento necessário para o desenvolvimento da atividade numa área tão peculiar como os hospitais? A estrutura da Direção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), entretanto desmantelada, teve alguma influência positiva nessa formação através do acompanhamento do projeto e da construção de edifícios hospitalares?

Quando se faz um curso de Arquitetura, fica-se com ideias generalistas. A única maneira de uma pessoa se formar é fazendo, projetando. É óbvio que um hospital é muito específico na sua composição, pois um edifício hospitalar é composto por um conjunto de serviços que têm de estar interligados. Também é necessário saber como esses serviços funcionam. Um arquiteto que sai de uma faculdade não sabe como funciona um bloco operatório, um serviço de imagiologia ou um serviço de esterilização como eu próprio constatei, quando comecei nesta área e vim para o Hospital de Coimbra acompanhar e fazer todo o projeto de execução. O Hospital de Coimbra  começou com um projeto geral. Foi preciso, em fase de obra, já com a estrutura de betão armado a ser executada, detalhar todos os serviços que não estavam especificados até aí, criá-los, melhorá-los e dialogar com os futuros utilizadores. Nessa altura eu também não sabia nada de hospitais. Aprendi com o arquiteto autor do projeto, o espanhol Fernando Florez, já desaparecido. Aprendi com os técnicos do Ministério (primeiro das Obras Públicas e depois da Saúde) e também andei à procura de documentação sobre hospitais e de arquitetura hospitalar. Visitei hospitais na Dinamarca, Inglaterra, Suíça, Espanha, e fui a congressos organizados pela Federação Internacional dos Hospitais.

Reconhece que a estrutura da DGIES, entretanto desmantelada, faz falta aos hospitais…

Direi que, presentemente, o Ministério está depauperado em termos de know-how técnico dos hospitais, quer a nível de Arquitetura, quer a nível das próprias especialidades  técnicas. Houve um período em que o país construiu muitos hospitais e tinha, nas suas estruturas regionais, técnicos que iam passando os seus conhecimentos aos que entravam, promovendo uma certa renovação. A partir de determinada altura, quando começou a haver restrições à entrada de novos quadros na Administração Pública, deixou de haver renovação. De há cinco anos para cá que não se constroem hospitais e, como tal, os técnicos que existem neste momento no Ministério da Saúde não têm prática de acompanhar obras. Como não têm essa prática, não têm know-how suficiente para se confrontarem com outros técnicos, que entretanto podem vir a desaparecer.

Ou seja, podemos temer pela saída dos arquitetos mais experientes para a reforma e dos arquitetos mais novos para o estrangeiro em busca de emprego…

Eu penso que sim, embora possa haver casos (estou a falar de quem exerce a Arquitetura de forma privada) de arquitetos que passem os seus conhecimentos aos mais novos e que estes, mais tarde, se sirvam desses conhecimentos para avançarem e continuarem os projetos de hospitais, mas serão casos isolados.

Desde 1981, quando tomei conhecimento com a realidade dos hospitais, que aparecem entidades vindas da Suécia, França ou Espanha com soluções para os hospitais. O Hospital de Coimbra apareceu nessa altura, quando o Governo da época lançou um concurso  e as soluções foram importadas. Temo que daqui a mais três ou quatro anos possa acontecer o mesmo, ou seja, o governo que estiver em funções avance com um projeto e acabe por ir à procura de consultores externos para lançar um novo hospital.

No âmbito da arquitetura hospitalar, quais os projetos mais importantes que desenvolveu?

A partir de 1987 e durante uns 10 anos, houve um boom da construção hospitalar e do projeto hospitalar. Foi quando se construiu o Hospital de Amadora-Sintra, eu fiz os projetos para os concursos do Amadora-Sintra e do Hospital de Matosinhos, que foram realizados em simultâneo. Foram lançados na mesma altura e a entrega das propostas espaçada em oito dias. Depois houve um período em que o ministério analisou as propostas. No entanto, não ganhámos o concurso do Hospital de Matosinhos. Fiz também os projetos do Hospital de Viseu,  da Cova da Beira,  do Barlavento Algarvio e de Torres Novas. Depois, houve também uma reabilitação/renovação/ampliação do Hospital Curry Cabral, em Lisboa. O mesmo se fez entre 2000 e 2010 no Hospital de São João, no Porto, e na reta final o Hospital de Cascais, que foi feito já no âmbito das PPP, sendo que aí tive uma função de coordenador do projeto geral, mais do que de projetista. Na altura a Empresa Teixeira Duarte entendeu que se devia ir buscar um projetista externo e que devíamos ser nós a fazer toda a coordenação do projeto dele.

Entrevista completa

Por TecnoHospital em 31 de março de 2017.